Padre Fontes
Um homem assim precisa de ficar na história
“E aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando, cantando espalharei por toda a parte, se a tanto me ajudar o engenho e arte.”
Luís de Camões in “Os Lusíadas”, canto I, II estrófe, versos V a VIII – Proposição
“Ninguém é igual a ninguém. Na minha vida de cidadão e de padre, sempre procurei aprender a ser igual a mim mesmo, abrindo-me à luz venha ela donde vier, de dentro e de fora da Igreja.”
Padre Fontes in “Auto-retrato”
O meu melhor amigo de sempre, depois de meu pai e de meus filhos, que ele baptizou, é o Padre Fontes. Na década de setenta a oitenta, tive o privilégio de, com ele, seguir no barco para muitas tarefas de preservação da cultura das nossas terras e das nossas gentes. Labutámos em comum por aberturas de escolas e telescolas, a fim de travar o castelhano que invadia Portugal por televisão. Criámos juntos o posto da telescola de Vilar de Perdizes, subindo a telhados e montando antenas altíssimas para captar Portugal. Comemos caldo de pedra algumas vezes lado a lado, após dias inteiros de azáfama, à procura dos vestígios megalíticos dos nossos primeiros habitantes e da cultura castreja; explorámos castros Bíbalos – povos que, com outros Tamaganos, construiram a ponte romana de Chaves; descobrimos aras e vias romanas, fizemos estágios e formações da Unesco em conjunto; criámos com Carvalho de Moura, então presidente da Câmara de Montalegre, o primeiro museu de Montalegre, no Milenário de S. Rosendo.
Graças à incomensurável força de combate e à perseverança do Padre Fontes, prosperou a ideia de colmatar a falta de médicos no Portugal profundo e criou, com os seus mais directos colaboradores, o Congresso das Medicinas Alternativas, em nome daqueles que nunca têm a palavra. Deu visibilidade a Vilar de Perdizes, ao planalto do Barroso, a Trás-os-Montes, em geral, e a Portugal no estrangeiro. A iniciativa visava abrir diálogo social entre populações carenciadas, tirar os poderes públicos do marasmo e abrir os espíritos à interculturalidade.
Sem o incentivo dessa personagem, hoje tão mediática quão carismática, eu não teria provavelmente realizado os “sonhos “ que realizei com ele e na diáspora que vivi. Aqui lhe fica a minha homenagem tomando a iniciativa deste movimento como forma de gratidão.
Como eu, inúmeros estudiosos estrangeiros por esse mundo fora, muitos portugueses por este país, não menos amigos desta região, académicos de todas as latitudes, não teriam enriquecido as suas teses, concluído os seus trabalhos de pesquisa, validado as suas hipóteses, elaborado os seus relatórios, as suas dissertações, criado os seus conteúdos, publicado as suas obras. Quantos jornalistas não se formaram, elaborando as suas crónicas ou relatando o quotidiano do Padre Fontes? Qual universidade europeia não tem nas bibliografias das suas bibliotecas citações, alusões ou paráfrases do nosso etnógrafo? Quantos não o citaram, como Alain Tranoy, Gilles Cervera, Gérard Fourel, Michel Giacometti, Anne Cauffriez, Mouette Barboff, Viegas Guerreiro, Antonio Colmonero, Rui Mota, Geneviève Coudé-Goussin, Júlio Meirinhos, António Martinho, René Barbier, Ana Paula Guimarães, Baquero Moreno, Alexandre Parafita, Xerardo Dasiras Valsa, Viale Moutinho, Barroso da Fonte, Hélder Alvar, Gomes Sanchez, Bairrão Oleiro, Irisalva Moita, Pais de Brito, Belarmino Afonso, António Mourinho, Reine Accoce, e tantos outros, para não enumerar os que por cá vão andarilhando? Que o diga a poetisa Natália Correia, lá do alto do Olimpo, o quanto os seus cuidados paliativos foram atenuantes na sua agonia final antes de partir para tão longa viagem...
O Padre Fontes é um humanista. Um homem sóbrio, frugal. Um homem sábio. O expoente máximo do altruismo como ser humano. O santo vivo da religião que defende. O etnólogo que retrata, com tanta nitidez, a imagem telúrica do seu concidadão quanto uma máquina fotográfica põe em relevo as rugas que modelam a sua face – igual às rochas erodadas do clima da sua terra, que, assim, escavou os sulcos do seu rosto. A cópia das escarpas serranas que um dia Konyak, pintor japonês, imortalizou nas suas telas.
Os mais de mil testemunhos que me corroboram são a eloquência da grandeza desta personagem única, a quem o cinema veio procurar, desde as longas-metragens de Philippe Constantini, a documentários etnográficos em que Manuel de Oliveira se inspirou no “Auto da Primavera”, e para, em “Cinco dias, cinco noites” consagrar a multifacetada existência ao serviço dos seus e das suas causas.
Citando o Doutor João Sanches, o Padre Fontes, “escolheu dedicar a sua vida aos outros, elaborando assim, o seu próprio estilo de vida”.
O Padre Fontes merece reconhecimento. Um homem assim precisa de ficar na história, servir de paradigma às gerações que neste país e na sua terra, rebuscam os caminhos da realização.
O Padre Fontes, pela sua vida e pela dimensão da sua obra, merece, como os maiores, ser reconhecido e condecorado.
Creio que o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, em 10 de Junho, seria o palco ideal para que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República lhe consagre essa atenção.
Oxalá, pois, o meu desejo e o de quantos o partilham e me acompanham nesta empresa que testemunharam em abono da verdade, se façam entender e atender por quem de direito
Prof. Doutor Hélder Alvar
(Membro do « Centre de recherche sur l’imaginaire social et l’Education Univ. Paris 8 »)
1 Comentários:
Muitas vezes mal compreendido pelo povo,o Padre Fontes veio na decada 70-80 dar vida a um Vilar moribundo, onde a actividade socio-cultural era nula e a actividade economica se resumia a agricultura de sobrevivencia, salvo raras excepcoes.Quando ele chegou a Vilar, a maioria da juventude ou tinha emigrado ou estava a cumprir o servico militar obrigatorio Gente de mais idade no apogeu da vida activa saiu tambem a busca de uma oportunidade.Os mais idosos apegados a sua terra e sem alternativa, viviam a sua solidao e a amargura da ausencia dos seus ente- queridos.E foi com esses que o Padre Fontes teve que travar a sua Luta.Habituados ao catolicismo tradicional e conservador do Saudoso Padre Domingos Barroso, o Padre Fontes com as sus ideias mais liberais teve alguma dificuldade para por em pratica a modernizacao da pratica Crista! Nunca desistiu nem nunca virou a cara a luta, e Vilar ganhou imenso com isso. Reavivou a cultura popular,lutou para preservar os usos e costumes barrosoes Pregou Vilar e Barroso por todo o pais e ainda arranjava tempo pra dar uma maozinha a quem lhe batia a porta a pedir um favorzinho! Bem merece o nosso reconhecimento e o reconhecimento de todos os Barrosoes e nao so!
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